"Sobre os ossos dos mortos" é um thriller ecológico polonês escrito pela autora Olga Tokarczuk. A autora consegue retratar temas clássicos pertinentes aos seres humanos, como vida, morte, etarismo, o embate entre humanos e a natureza, e vingança. A história se passa em um vilarejo sem nome na Polônia, próximo à Chéquia, um local onde a natureza ainda habita. Acompanhamos a história da Sra. Dusheiko, uma senhora peculiar, que tem como interesses Blake e a Astrologia.

Olga Tokarczuk
Apesar de ser uma obra ficcional, o livro nos convida a refletir sobre esses diversos temas da natureza humana. Ele nos faz questionar o quanto o Estado e a Religião nos fazem sentir superiores a tudo que é natural, e, com isso, acreditamos que podemos explorar a natureza sem nenhuma consequência. No livro, a natureza parece tomar formas quase místicas ao buscar vingança, especialmente quando um caçador ilegal, vizinho da protagonista, é morto de maneira misteriosa. O mundo real nos apresenta manifestações igualmente imprevisíveis e devastadoras. Segundo a ONG WWF, em 2024 seriam necessários 1,7 planetas Terra para sustentar nosso padrão atual de consumo. Nesse mesmo ano, diversos desastres ambientais ocorreram ao redor do planeta, e esses eventos tendem a se intensificar como consequência das mudanças climáticas causadas pela nossa desconexão com o meio ambiente. As enchentes, incêndios e tempestades de 2024 são provas tangíveis de que a natureza, historicamente explorada, começa a reagir de maneira não mais passiva. A diferença é que, enquanto os personagens do livro pagam pelos crimes diretos contra o ambiente, nós, na realidade, sofremos as consequências de uma exploração sistêmica e impessoal, na qual os mais prejudicados são os menos favorecidos. Enquanto isso, aqueles que têm mais dinheiro, mesmo que se oponham às medidas de preservação ambiental, compram terrenos em locais privilegiados e bunkers para se protegerem das futuras crises.
Ao longo do livro, a Sra. Dusheiko é ridicularizada por sua conexão quase mística com a natureza, o livro de Tokarczuk nos lembra que por mais que a conexão da protagonista seja algo exacerbado, mostrado algumas vezes quase como caricato, o ser humano no geral não se considera parte da natureza, considerando um ser a parte. Isso pode ser visto na forma como nomeamos o período geológico em que vivemos o "Antropoceno" sendo Antropo "humano" em grego. Essa desconexão homem natureza é um processo secular, fruto do constante avanço do capital sobre a terra, e a mercantilização da natureza. O Estado e a religião, representados pelo desleixo policial e pela paróquia de caçadores, atuam como um aparato do Capital, garantindo que a natureza continue a ser vista com um recurso a ser explorado.
Nas tradições judaico-cristãs Deus ordena aos humanos que dominem a terra "Deus abençoa os seres humanos e lhes pede que sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra e dominem sobre os animais" (Gênesis 1:28). Esse conceito é muito bem personificado no padre Farfalhar apresentado na história, um padre que legitima a violência contra a natureza, transformando-a e normalizando a ideia um recurso a ser explorado.